17/06/2014

o alentejanismo mágico

[Ana Saragoça e a leitura de «O Intrínseco de Manolo»]

“E de repente surgiu a azinheira, logo uma azinheira cuja silhueta nunca houvera afinal visto com olhos de gente, e nela estava uma carta pregada, e nela estava a algazarra da fúria e da mansidão, da cobardia dos ignorantes, e na sua sombra queria Manolo descansar, mas agitado era seu sono e sentiu apenas uma lágrima a acordá-lo; sentiu-se perdido e vivo como nunca antes experimentara e ouvia agora, vagamente mas ouvia, chamar seu nome ao longe, muito longe, e perdido estranhava o lugar, tão perdido quanto sonho quis que tudo fosse, até que olhou para a porta e ouviu:
- Porque choras, homem?”
O Intrínseco de Manolo (pág. 36)


Alentejana dos quatro costados, logo me saltou à vista que o Alentejo de Manolo não era o Alentejo que conhecemos nós, os de lá, nem os que aprenderam a conhecê-lo através da muita literatura neo-realista. Neste retalhinho à beira-mar plantado, o Alentejo é o sonho dos citadinos, com as suas planícies imensas e o silêncio tão difícil de encontrar alhures. 

Mas quer parecer-me que o João Rebocho Pais nunca pretendeu retratar um Alentejo real, nem gentes reais. Precisava de um cenário onde expandir uma galeria de excêntricas personagens, primando quase todas, de um modo ou de outro, por possuírem uma sexualidade descabelada, fosse pela bizarria ou pela dimensão dos apetites ou por ambas, que isto de comer e coçar tudo vai de começar. E tenho para mim que Cousa Vã foi parar ao Alentejo, porque só lá se podia encontrar a âncora que impede toda aquela nave de loucos de disparar galáxia fora em cavalgadas desbragadas, hilariantes e não raro comoventes a ponto de ainda poderem perturbar o sossego das estrelas. Essa âncora era a azinheira de Manolo. O seu a bem dizer intrínseco.  

E foi graças a essa azinheira e a toda a trapalhada de gente e de acontecimentos a reboque dela que nasceu o alentejanismo mágico™ de João Rebocho Pais. A planície merece e esta leitora agradece.  

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